segunda-feira, 3 de maio de 2010

REFLEXÃO DO PAJÉ


Estrangeiros em nossa própria terra,
sonhamos uma terra fabulosa,
um mundo legendário,
e vagamos sem rumo nesta busca
do mítico país da venturança,
hebreus em eterna travessia
de um mar vermelho de sangue e vergonha,
ponte entre o precário e o supino
- via que nos leva ao divino.


Pobres almas iludidas,
mirrando em transe errático
neste vasto território, à procura
de outra terra nesta terra,
de outro mundo neste mundo
e outra vida nesta vida.


Em busca de outra terra
jamais encontrada,
quantos índios pereceram!
E quantos pobres diabos
ainda zanzam nestas belas plagas,
iludidos por um cruel engodo,
esfíngico mistério,
enigma simbólico, poético
– enfeitiçados por belas metáforas!


Terra sem mal, que tanto almejamos,
mirífico país, sonho que aflige
as nossas almas mais que o pesadelo,
onde te encontraremos?




INVOCAÇÃO DE TUPÃ


Nosso Pai Tupã:
Deus do sol, do fogo,
do trovão, do raio,
da chuva, da tempestade,
da justiça, do amor.
Pai dos seres viventes,
nas montanhas do poente
fizeste tua morada,
e reinas sobre as correntes.


Em meio aos tantos cumes
que abundam no ocidente,
ó Senhor de tantos nomes,
onde te encontraremos?


Gorak, Rudá, Sumé,
não desprezeis nossa fé.


Onipotente Tupã,
socorrei vosso xamã.


Yanderu, eu vos suplico,
cessai o nosso suplício;
por favor, dizei-nos logo,
dizei-nos, ó grande Pai,
onde se encontra, afinal,
essa terra que anelamos,
a nossa sonhada terra,
a nossa Terra sem mal?




ASSIM DISSE O TROVÃO


Meu querido Kwaí,
meu adorável xodó:
não há por que escalar
o alto do Kaparaó
e nem por que burungar
os quintos do cafundó.


Não adianta insistir
nessa andança lelé
do Oiapoque ao Chuí.
Não adianta buscar
qualquer paraíso ou céu
longe ou fora de vós.


Com todo o vosso afã
e com toda a vossa fé,
jamais achareis Tupã,
Gorak, Rudá ou Sumé.


Povos e nações das selvas,
meus filhos, xakyabá,
xavante, kamayurá,
kaygang, kayapó,
pataxó, tupiniquim...


Será que não tem mais fim
essa andança boçal,
essa procura insana,
essa busca literal,
aqui, ali, acolá,
de vossa sonhada terra,
de vossa Terra Sem Mal?


Eis o que vos diz Rudá:
meu querido Kwaí,
chega de andar atrás
do que está atrás de ti.


E assim fala Tupã,
sendo esta a resposta:
as montanhas do poente
acham-se em tuas costas.


Buscais a Terra Sem Mal,
quereis a Terra Sem Mal,
a terra dos ancestrais,
de vossos pais e avós,
o reino celestial
da alegria e da paz?
Buscai-o dentro de vós.


Ó meu caro Kwaí,
solitária é a jornada,
e não há aonde ir.
A Terra Sem Mal que buscas,
o paraíso que sonhas
sempre esteve em ti mesmo,
está em tuas entranhas.


O lugar que tanto almejas
e buscas com tanto afã
encontra-se no poente:
a montanha semovente
é a pátria de Tupã,
e toda procura, além
desse território, é vã.


Eis que te revelo agora
o sacrossanto lugar
onde vivem vossos mortos,
vossos pais, vossos avós,
todos vossos ancestrais
e também os próprios deuses.


É exatamente ali
no cume do ybyty
que produz o tepoty,
no buraco do tumby.


Em riba do apuã,
na lapa do tepitã,
eis o nosso santuário,
eis a tenda do pajé,
eis o templo do xamã.


Que imaginação cotó!
Tende de vós mesmos dó,

poupai o vosso gogó,
não gasteis os mocotós.
Eis aqui a tão sonhada
terra do balacobaco,
terra do borogodó.


YKÓ KUPEPY AKU
YPY YBAKE OÇÓ.


Este é o endereço
do meu eterno mocó:
a cacimba do bozó,
o oco do oritimbó,
a loca do fiofó,
a grutinha do popó,
o orifício do ó.
E de uma vez por todas
deixai de ser tão bocós.
Chega desse qüiproquó!


Chovam graças em toró
sobre quem ame o loló.


Atentai às estações,
ao dia e hora próprios,
à lua da oração,
e ao tempo dos amores.


Refrescando vossos ossos
e refrigerando a carne
com pomadas e ungüentos,
óleos santos e massagens,
e alegrando as entranhas
com danças e cantorias,
e zelos de amor leal,
transmutareis a maldade,
chegareis à divindade,
em vós mesmos achareis
a própria Terra Sem Mal.