quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Notícias do Paraíso

A maioria dos poemas de Terra Sem Mal, meu livro inédito, satiriza as concepções e as buscas, exaustivas e infrutíferas, de um lugar paradisíaco, em todos os tempos e lugares, tomando como referência a filosofia e os mitos de índios brasileiros, mormente os guarani.

Para os nossos indígenas, a Terra sem mal é um lugar acessível, concreto, alcançável pelos seres humanos, nesta vida, neste mundo. Eles acreditam que esse paraíso é, antes de tudo, um lugar de abundância, alegria e paz. A expressão Terra sem mal (em tupi-guarani: ywy marã ey), literalmente, significaria: Terra (ywy) sem (ey) desordem, conflito, guerra, sofrimento, doença (marã). Embora, já no século XVI, tenha sido definida pelo padre Ruiz de Montoya, como: solo não cultivado, intacto. Esse significado de não cultivado, intacto nos remete para os conceitos de intangível, intocável, longínquo, separado, isolado que permeiam as ideias que fazemos do sagrado, de Deus, do Paraíso etc. Em numerosas referências bíblicas ao sagrado, esse é um lugar intocável, exceto para alguns, em certos momentos.

Lugar de fartura, esse paraíso talvez tenha sido associado, por alguns índios, à sexta capitania – o Espírito Santo – que, segundo Pero de Magalhães Gândavo, era a mais fértil de todas, com infinita caça e infinita pesca e a melhor provida de todos os mantimentos da terra. Isso no final do século XVI. No final da década de 1960, um grupo de índios guarani veio parar no Espírito Santo, acreditando estar aqui o suspirado paraíso.

Acredito que esse lugar tão famigerado é o corpo transfigurado por jejuns, dietas, petum, cauim, cânticos, danças, alegria, prazer, festa. Cronistas que escreveram sobre o Descobrimento notaram que, de tempos em tempos, os karaibas (profetas) visitavam as tribos e, nessas ocasiões, promoviam-se rituais em que os participantes entravam em transe e assim tinham uma visão do paraíso e se encontravam com os seus mortos e os espíritos dos ancestrais. Isso nos permite concluir que a Terra sem mal, isto é, o paraíso indígena, é um lugar simbólico, localizado no corpo, nas entranhas, sendo alcançável pela transmutação alquímica de átomos, células e órgãos de nosso corpo, espelho do universo, templo do Deus vivo.

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