sexta-feira, 31 de outubro de 2014

PRIMEIRA HISTÓRIA DO PARQUE
Jana Bodnárová
Tradução eslovaco-inglês: M. Scott Dineen
Tradução inglês-português: Waldo Motta


1. Todo de branco - longa e estreita touca na cabeça, ritmo fluídico de esquisito imperador - um árabe empurra uma cadeira de rodas pelas trilhas do parque-spa.

2. Na cadeira de rodas, uma jovem. Talvez filha dele ou sua jovem esposa, ele amável servo. Suas pernas são horrivelmente finas. Disformes e inertes.
3. Pouco audível, breve é sua ordem. O homem negro de branco pára, junto a vários laguinhos cheios de flores aquáticas. Sobre a turverdonha água esparramadas, imóveis folhas, como as pernas da garota, e como os seus olhos esbugalhados, pétalas cintilam multicores. Sem mover a cabeça, ela estala os dedos; e o árabe deixa a cadeira de rodas, e começa a dançar. Primeiro, em ronda imensa, ele ronda a moça na cadeira de rodas, ronda os laguinhos, ronda os imensos salgueiros e teixos cujos odores incensam a terra... Sobre a relvada ponte entre os laguinhos, agora ele passa a dançar girando em torno do seu próprio eixo... gira e gira...um místico, um desses nascidos para nos mostrar como tudo que parece firme um dia começa a girar; que a própria vida é apenas um girar em torno de um incompreensível ponto. Sua cabeça suavemente pende para um ombro, braços estirados - palma direita para os céus, a esquerda para a terra. Ele torna-se o Amor que volta sua mística atenção para o mundo existente.
4. A jovem está em êxtase. O dervixe dança para ela a dança do amor e rende-se aos deuses dos lagos. Ela se encurva para baixo; ela anseia ver a gentil face sob a superfície aquática, a face de algo que lhe possa oferecer um milagre. Os raios solares atravessam a ramagem, pinicam a água e saltam, fremilúcidos. Tais quais deuses aquáticos, beijam os olhos da mocinha, as faces e os entreabertos lábios, que abrigam a irrequieta língua.
5. Agora, a garota observa a dança das mãos. A direita, que toma; a esquerda, que doa...
6. À luz do dia, na repousante placidez, a garota remira a água. Vasculha a memória, através da fartura de palavras - palavras que lhe têm ensinado. E dentre elas, tais bolas de pingue-pongue, pocam:
Eu tenho mirado o meu coração.
Ali eu O contemplei.
Em nenhum outro lugar Ele foi achado.
Porém, ela começou a cantar, alto,:
“Ooooh, Alá, ooooh, Alá, ooooooooh, Alá...”
O inefável nome do seu Nume ela canta em voz eólica.
Agora, a moça vê na face da água o chamejante disco do sol.
7. Certa vez, Jung escreveu sobre uma jovem: ela viu (em seu sonho) a face do sol, a roda flamejante, porque ela era uma sensível e etérea menina que vivera em sonhos arquetípicos e jamais nascera plenamente.
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Villa Waldberta, Feldafing, Bayern, Deutschland
21 de Dezembro de 2001

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