domingo, 16 de janeiro de 2011

Temei e tremei, povaréu: chegou a monstra sagrada!

ASSIM DISSE A MONSTRA

Eu sou a monstra sagrada
eu sou a bicha papona
eu sou a jaguatirica
dos vales
eu sou a suçuarana
dos montes.
Eu sou o maracajá.

Sou demônio, anjo e deus
guardião de mil segredos
e do sonhado GRRRAAAALLLL.

Eu sou o terror das selvas,
eu sou o horror das trevas,
todos me amam e temem.

Por amor a Yanderu,
sirvo a Jurupari,
finjo-me de Anhangá,
Caipora e Saci.
Sou um anjo travesti.

Curinga, proteu
dez mil faces tenho.
Em todo e qualquer
lugar estou eu.

Eu sou o querubim do tabernáculo
e o anjo da espada flamejante
e o tigre de Blake e de Borges
e a pantera de Dante, e o leopardo
de Eliot e Daniel
e o dragão do Jardim das Hespérides
e a besta do Apocalipse
e a serpente do paraíso.

Sou o próprio Chupacabra.

Pantera rosa-shocking
jaguar azul-bebê
tigresa rosicler
sou cheia de gatimonhas
mas ronrono de ternura
e me enrosco todinha
em torno do meu dono:
aquele que a todos ama
e de todos é o amo.

Não me venha com bravatas e esconjuros
e nem me torne presa, caça ou vítima
de sua estupidez civilizada.
Sou uma besta sagrada e protegida
um animal santo e exijo
todo o respeito devido
à minha divina estirpe.

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Este poema, do meu livro inédito Terra Sem Mal, é uma das falas da monstra guardiã do lugar sagrado, morada de Yanderuvuçu (Nosso Grande Pai), o Deus maior da mitologia guarani. Como se vê, reconto e atualizo mitos bíblicos e indígenas, crio alegorias, tranço liames entre culturas diversas, ma non troppo. Também misturo História e ficção. Amalgamo vasta gama de referências, com a graça do meu estilo transformista, este transgênero literário, híbrido de poesia, teatro, romanceiro, tratado filosófico & religioso, tese científica e o diabo a quatro, ou melhor, de quatro.

Nesta fala da monstra sagrada, ela se apresenta ao mocinho & herói & colonizador, num confronto neobarroco, que lembra personagens de Gil Vicente e Anchieta. No diálogo que se estabelece (em breve, postarei a fala do mocinho), também ousei transformar o previsível confronto entre o Bem e o Mal em tesão recíproco e agarração erótica entre o Cristo e o Anticristo.

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